A Falha Silenciosa que Pode Custar o Direito de Dirigir
Em inúmeros processos administrativos de trânsito, o condutor se vê surpreendido com a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir sob o fundamento de que não apresentou recurso ou defesa no prazo legal.
Contudo, ao analisar os autos com atenção, descobre-se que a defesa foi sim interposta tempestivamente, mas foi ignorada ou sequer considerada pela Administração Pública.
Essa conduta — infelizmente recorrente — resulta em julgamento por revelia indevida e penalidade nula de pleno direito.
Teoria dos Motivos Determinantes e o Erro Material na Fundamentação
Nos termos da Teoria dos Motivos Determinantes, o ato administrativo vincula-se aos motivos que o fundamentam. Se os fundamentos são inexistentes ou falsos, o ato é inválido.
Assim, quando a penalidade é aplicada com base em uma suposta ausência de manifestação do condutor, mas se constata a existência de defesa protocolada, o ato administrativo torna-se nulo.
A jurisprudência tem sido firme nesse sentido:
“Aplicação da penalidade motivada pela não apresentação de recurso à JARI – Incidência da teoria dos motivos determinantes – Direito líquido e certo comprovado – Sentença denegatória da segurança reformada”
(TJ-SP – AC: 1019897-96.2019.8.26.0562, Relator: Afonso Faro Jr., 11ª Câmara de Direito Público, julgado em 15/05/2020).
“Motivação administrativa baseada em revelia que inocorreu – Erro da Administração – Nulidade do ato que determinou a suspensão do direito de dirigir”
(TJ-SP – Remessa Necessária Cível: 1000941-26.2017.8.26.0619, Relator: José Luiz Gavião de Almeida, 3ª Câmara de Direito Público, julgado em 22/05/2018).
Esses julgados confirmam que, uma vez comprovado o erro administrativo, o ato sancionador não pode subsistir.
A Importância de Solicitar Cópia dos Julgamentos e Notificações
O advogado que atua na seara do Direito de Trânsito deve estar atento a esse detalhe estratégico. É fundamental solicitar:
- Cópia integral do julgamento da defesa ou recurso, especialmente quando a penalidade tiver sido imposta sob fundamento de revelia;
- Análise técnica das notificações recebidas, a fim de verificar se houve decisão sobre a defesa de autuação (definida ou indefinida) ou se trata de notificação de imposição de penalidade sem apreciação prévia da defesa.
Ao detectar omissão ou erro de análise por parte do órgão autuador, está-se diante de vício insanável do processo.
Reflexos Jurídicos: Nulidade Absoluta e Reconhecimento Judicial
A ausência de apreciação da defesa ou recurso interposto viola diretamente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF).
Além disso, compromete os prazos decadenciais e prescritivos, já que o julgamento incorreto pode mascarar o transcurso irregular do processo sancionador.
A jurisprudência reconhece que essa falha não é meramente formal: é substancial, pois impede que o condutor exerça sua defesa de forma plena, deslegitima a penalidade aplicada e, em consequência, torna cabível a anulação judicial do ato administrativo.
Conclusão: O Dever de Vigilância Técnica
Diante da recorrência dessa falha, o advogado precisa incorporar em sua atuação a verificação rigorosa dos autos do processo administrativo.
Não basta avaliar os documentos recebidos pelo cliente — é essencial requisitar formalmente os julgamentos e decisões que compõem o processo.
Essa postura investigativa pode revelar nulidades cruciais, amparadas não só na doutrina e na legislação, mas também em farta jurisprudência.
Esse cuidado técnico transforma-se em tese de defesa robusta, sustentada por lógica jurídica, respaldo normativo e segurança probatória. É na identificação dessas brechas que se constrói a boa defesa — e, muitas vezes, a solução definitiva para a manutenção do direito de dirigir.