O Prazo de 2 Anos Deve Incidir a Partir da Vigência da Lei 14.229/2021. Inclusive para Recursos Anteriores
A Lei nº 14.229/2021, ao modificar substancialmente os artigos 285, §6º, 289 e 289-A do Código de Trânsito Brasileiro, introduziu um novo marco prescricional para os recursos administrativos no âmbito da JARI e dos CETRANs:
O prazo de 24 meses (2 anos) para julgamento, sob pena de prescrição intercorrente da pretensão punitiva.
O CETRAN/SC, ao se manifestar sobre o tema no Parecer nº 395/2024, entendeu que esse novo prazo só se aplicaria aos recursos interpostos a partir de 01 de janeiro de 2024, preservando a aplicação da prescrição intercorrente de 3 anos (prevista na Resolução CONTRAN nº 723/2018) aos recursos protocolados antes dessa data.
Com a devida vênia, discordo dessa posição.
A leitura mais coerente com o texto legal, os princípios constitucionais e a lógica do sistema sancionador aponta para uma aplicação imediata do novo regime de 2 anos, a partir da vigência da nova norma, inclusive para recursos anteriores ainda pendentes de julgamento.
A Prescrição Não Retroage, Mas Incide para o Futuro
É preciso esclarecer um ponto fundamental: não se trata aqui de aplicar retroativamente o novo regime prescricional.
A contagem dos 2 anos não se inicia em data anterior à vigência da norma, tampouco se pretende alterar prazos prescricionais já consumados ou em curso sob a égide de norma anterior.
O que se defende é que a partir de 01/01/2024, todo processo pendente de julgamento — ainda que iniciado sob a vigência de outro regime — está automaticamente sujeito à nova regra, pois é a lei em vigor que regula os efeitos jurídicos futuros dos atos administrativos em curso.
A Lógica Jurídica e Temporal: Dois Anos a Partir de 01/01/2024
Tome-se como exemplo um recurso interposto em 05 de outubro de 2022 e ainda não julgado até 01 de janeiro de 2024.
A partir dessa data, aplica-se a nova regra de dois anos. Logo, o processo administrativo deverá ser concluído até 01 de janeiro de 2026.
A contagem respeita a irretroatividade da lei, pois nenhuma exigência é imposta retroativamente ao órgão julgador.
No entanto, é perfeitamente legítimo — e, mais do que isso, necessário — que se aplique a norma vigente a partir do momento em que ela entra em vigor, inclusive aos processos administrativos que continuam em tramitação.
Segurança Jurídica, Boa-fé e Duração Razoável do Processo
O entendimento contrário, que mantém a aplicação da Resolução CONTRAN nº 723/2018 com prescrição intercorrente de 3 anos, mesmo depois de entrar em vigor uma norma superior com prazo menor, cria um vácuo de coerência legal.
Afinal, se os órgãos de trânsito já conheciam o novo regime desde 2021 — com vigência estabelecida para janeiro de 2024 — e ainda assim mantiveram milhares de processos paralisados, a imposição da nova contagem de dois anos é uma medida de coerência, previsibilidade jurídica e compromisso com a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88).
Além disso, trata-se de uma prescrição intercorrente incidental, ou seja, que incide dentro do processo já instaurado, e não de uma prescrição terminal que interromperia o direito de ação em si.
Portanto, sua aplicação imediata é perfeitamente compatível com a legalidade e a função garantidora da norma administrativa.
Conclusão: A Prescrição de 2 Anos Deve Incidir Imediatamente sobre Recursos Pendentes
Dizer que a nova prescrição de 2 anos só incide sobre recursos interpostos após 01/01/2024 significa criar uma janela artificial de exceção que beneficia a inércia estatal e desprestigia a função normativa da nova lei.
Portanto:
- A contagem da prescrição intercorrente de 2 anos deve iniciar-se em 01/01/2024, inclusive para os recursos interpostos antes dessa data que ainda não foram julgados;
- Isso não implica retroatividade nem afronta o direito adquirido, mas apenas submete os efeitos futuros ao regime legal vigente;
- A interpretação defendida pelo CETRAN/SC, embora prudente, deixa de considerar a função protetiva da prescrição dentro do processo administrativo e favorece a perpetuação de situações de morosidade estatal;
- O princípio da duração razoável do processo deve ser observado com rigor na esfera administrativa sancionadora, sob pena de esvaziar-se seu conteúdo normativo.