Introdução
A responsabilidade pelas infrações é compartilhada entre o proprietário do veículo e o condutor, conforme estabelece o art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Essa responsabilidade compartilhada segue a seguinte lógica: o proprietário deve garantir as condições regulares de circulação do veículo, enquanto o condutor responde pelas ações praticadas durante a direção.
Quando não é possível identificar imediatamente o infrator, o § 7º do art. 257 do CTB estabelece que o principal condutor ou o proprietário tem 30 dias, contados da notificação, para apresentar o condutor responsável pela infração.
Após o término desse prazo administrativo, a legislação estabelece uma presunção de responsabilidade, atribuindo automaticamente a responsabilidade ao principal condutor ou, quando este não estiver identificado, ao proprietário do veículo.
No entanto, essa preclusão temporal, mesmo sendo vinculante na esfera administrativa, não elimina a possibilidade de questionamento judicial, especialmente quando os fatos comprovam que o infrator não era o principal condutor ou o proprietário.
O princípio da inafastabilidade da jurisdição, garantido pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, assegura que nenhuma lesão a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário, mesmo depois de encerrados os prazos administrativos.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)estabelece que a preclusão administrativa do art. 257, § 7º do CTB é meramente formal.
Isso significa que o principal condutor pode apresentar judicialmente o verdadeiro infrator, uma vez que a esfera judicial prevalece sobre a administrativa quando os fatos comprovam a ausência de responsabilidade.
Além disso, a Resolução CONTRAN nº 918/2022, que regulamenta a identificação do infrator, enfatiza a importância de mecanismos que garantam a correta atribuição de responsabilidade, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Então, quando o principal condutor não é o responsável pela infração e não conseguiu identificar o infrator dentro do prazo administrativo, a via judicial surge como alternativa legítima e necessária para corrigir distorções e evitar penalidades indevidas.
Este texto analisa a legitimidade do principal condutor para apresentar judicialmente o condutor infrator após o término do prazo administrativo.
Para isso, examina a legislação vigente, a regulamentação do CONTRAN e a jurisprudência que sustenta essa possibilidade.
2. Base Normativa
A legislação define diretrizes claras sobre a responsabilidade por infrações e os procedimentos para apresentação do condutor infrator, especialmente através do art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e da Resolução CONTRAN nº 918/2022.
Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código.
§ 1º Aos proprietários e condutores de veículos serão impostas concomitantemente as penalidades de que trata este Código toda vez que houver responsabilidade solidária em infração dos preceitos que lhes couber observar, respondendo cada um de per si pela falta em comum que lhes for atribuída.
§ 2º Ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar.
§ 3º Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.
Estes dispositivos estabelecem os prazos e requisitos para identificação do condutor, definindo as responsabilidades do principal condutor e do proprietário do veículo.
2.1. Art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro
O art. 257 do CTB estabelece a atribuição de responsabilidades entre o condutor, o proprietário do veículo e outras partes envolvidas em infrações de trânsito. Quanto à identificação do infrator, o § 7º determina expressamente:
Art. 257. […] § 7º Quando não for imediata a identificação do infrator, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá o prazo de 30 (trinta) dias, contado da notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o Contran, e, transcorrido o prazo, se não o fizer, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo.
Este dispositivo estabelece a responsabilidade solidária, permitindo que o principal condutor ou o proprietário indique o real infrator no prazo administrativo de 30 dias.
Caso não haja apresentação nesse período, presume-se a responsabilidade do principal condutor ou, na sua ausência, do proprietário do veículo.
2.2. Resolução CONTRAN nº 918/2022
A Resolução CONTRAN nº 918/2022, que regulamenta os procedimentos para apresentação do condutor infrator, detalha as disposições do art. 257 do CTB e estabelece diretrizes administrativas claras.
Ela determina que a apresentação do condutor seja realizada através dos canais oficiais dos órgãos autuadores, exigindo documentação específica para comprovar a responsabilidade do infrator, incluindo:
- Identificação completa do condutor.
- Declaração formal assinada pelo infrator.
- Cópias de documentos que comprovem a ciência e aceitação da autuação.
A Resolução também estabelece o mesmo prazo de 30 dias definido pelo CTB para a apresentação do condutor infrator.
2.3. Esclarecimento sobre o Prazo Administrativo
O prazo de 30 dias para apresentação do condutor infrator, previsto no art. 257, § 7º do CTB, é essencialmente administrativo e visa garantir um processo de responsabilização eficiente.
Após esse período, a responsabilidade é automaticamente atribuída ao principal condutor ou ao proprietário do veículo. Essa presunção, embora facilite o andamento dos processos administrativos, não é definitiva.
A regulamentação e a jurisprudência reforçam que a preclusão administrativa não impede a revisão judicial.
O prazo administrativo não extingue o direito de contestar a responsabilidade judicialmente, especialmente quando é possível demonstrar a verdade dos fatos de forma inequívoca
3. Jurisprudência e Inafastabilidade da Jurisdição
A relação entre os limites administrativos e o direito constitucional de acesso à justiça é fundamental para determinar se o principal condutor ou o proprietário do veículo pode apresentar judicialmente o verdadeiro infrator após o fim do prazo administrativo.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores é clara ao estabelecer que a preclusão temporal prevista no ****art. 257, § 7º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ****tem caráter meramente administrativo, não inviabilizando a apreciação dos fatos pelo Poder Judiciário.
3.1. Preclusão Administrativa e Revisão Judicial
A preclusão administrativa prevista no CTB tem como objetivo garantir celeridade e eficiência nos procedimentos de trânsito, impondo um prazo de 30 dias para a indicação do condutor infrator.
No entanto, essa preclusão é limitada à esfera administrativa, permitindo que o administrado, ao dispor de provas inequívocas, questione judicialmente a responsabilidade atribuída.
Esse entendimento é amparado pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que assegura que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.
Assim, mesmo que o prazo administrativo tenha se esgotado, o condutor ou proprietário ainda pode demonstrar em juízo que não foi o responsável pela infração, afastando a presunção gerada na esfera administrativa.
3.2. Decisões do STJ e TRF-4
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)consolida o entendimento de que a preclusão administrativa não inviabiliza a revisão judicial. Destacam-se os seguintes julgados:
<aside> 💡
STJ - AgRg no Ag 1370626/DF: O STJ decidiu que a preclusão prevista no art. 257, § 7º do CTB é limitada à esfera administrativa e que a verdade dos fatos apurada pelo Judiciário é suficiente para afastar a presunção de responsabilidade gerada no processo administrativo. A decisão enfatizou que a jurisdição judicial tem o poder de reavaliar as circunstâncias fáticas e corrigir eventuais erros cometidos na fase administrativa.
</aside>
<aside> 💡
TRF-4 - Processo 5019790-38.2021.4.04.7100 (2023): O TRF-4 reafirmou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, reconhecendo a possibilidade de o principal condutor ou proprietário apresentar judicialmente o verdadeiro infrator, mesmo após o esgotamento do prazo administrativo. A decisão destacou que a presunção administrativa de responsabilidade não é absoluta e pode ser afastada por meio de provas consistentes apresentadas em juízo.
</aside>
3.3. Fundamentação Constitucional e Administrativa
As decisões judiciais analisadas refletem o equilíbrio entre a eficiência administrativa e a garantia de justiça.
A presunção de responsabilidade prevista no CTB visa agilizar o processo de responsabilização, mas não deve ser utilizada para negar o direito de defesa quando o administrado tem elementos que comprovem sua inocência.
A revisão judicial é, portanto, uma extensão dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
4. Princípios Fundamentais do Processo Administrativo e Judicial
Os princípios que regem os processos administrativo e judicial são fundamentais para analisar a possibilidade de apresentação judicial do condutor infrator após o prazo administrativo.
Esses princípios asseguram que a justiça prevaleça ao permitirem a revisão de atos administrativos que não correspondam à realidade dos fatos.
4.1. Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa
No âmbito do direito de trânsito, o princípio do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, garantem ao administrado o direito de se manifestar e apresentar todos os meios de prova necessários para demonstrar a verdade dos fatos.
Mesmo com prazos e procedimentos específicos no processo administrativo de trânsito, esses princípios asseguram ao cidadão o direito de questionar decisões e corrigir eventuais equívocos cometidos na esfera administrativa.
Na revisão judicial dos atos administrativos, a aplicação do contraditório e da ampla defesa permite que o principal condutor ou o proprietário do veículo comprove, mediante evidências consistentes, que não foi responsável pela infração.
Esses princípios garantem que o processo transcenda as meras formalidades, considerando os fatos reais, independentemente da preclusão administrativa.
4.2. Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição
O princípio da inafastabilidade da jurisdição, estabelecido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, determina que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.
No contexto das infrações de trânsito, este princípio assegura que, mesmo após o prazo de 30 dias para apresentação do condutor infrator, o principal condutor ou proprietário possa recorrer ao Judiciário para questionar a atribuição de responsabilidade.
Este princípio é especialmente importante para corrigir casos em que a presunção administrativa não corresponde à realidade dos fatos.
Ele garante que o Poder Judiciário atue como mecanismo de controle contra possíveis abusos ou injustiças derivadas de atos administrativos equivocados, mantendo assim o equilíbrio entre as esferas administrativa e judicial.
4.3. Relação Entre a Esfera Administrativa e Judicial
A relação entre as esferas administrativa e judicial baseia-se em uma complementaridade funcional.
A esfera administrativa organiza e executa os processos de trânsito com celeridade e eficiência, enquanto à esfera judicial cabe revisar e corrigir eventuais erros, assegurando que o administrado não sofra penalizações injustas.
Quanto ao prazo para apresentação do condutor infrator, a preclusão administrativa estabelece o momento em que a responsabilidade se torna presumida na esfera administrativa, sem impedir a possibilidade de revisão judicial.
Essa interação entre as duas esferas preserva a funcionalidade do sistema de trânsito e protege os direitos fundamentais do cidadão.
4.4. Princípio da Legalidade e a Necessidade de Justiça Substancial
Enquanto a esfera administrativa está vinculada à legalidade formal, o Poder Judiciário busca assegurar uma justiça substancial, garantindo que a decisão reflita a verdade dos fatos.
Essa interação é fundamental para evitar que a aplicação estrita das normas administrativas resulte em decisões dissociadas da realidade, especialmente quando o principal condutor ou proprietário possui provas inequívocas de sua inocência.
5. Procedimentos e Impactos Práticos
A apresentação judicial do condutor infrator após o prazo administrativo, seja pelo principal condutor ou pelo proprietário do veículo, tem importantes implicações práticas e estratégicas.
Essas implicações precisam ser analisadas tanto do ponto de vista processual quanto da gestão das responsabilidades de trânsito. Este tópico explora as alternativas disponíveis para questionar judicialmente a atribuição de responsabilidade e examina os efeitos práticos dessa escolha para todas as partes envolvidas.
5.1. Caminhos para Apresentação Judicial do Condutor Infrator
A apresentação judicial do condutor infrator requer um planejamento cuidadoso e se desenvolve em três etapas principais:
<aside> 💡
Coleta de Provas Documentais e Testemunhais
</aside>
O principal condutor ou proprietário deve reunir provas concretas que demonstrem não ser o responsável pela infração. Essas provas podem incluir:
- Declarações do verdadeiro condutor, formalizadas através de documentos com firma reconhecida.
- Registros eletrônicos, como históricos de GPS ou dados de aplicativos de transporte.
- Testemunhas que possam atestar a veracidade dos fatos.
<aside> 💡
Início da Ação Judicial
</aside>
A ação judicial deve ser proposta na justiça comum, fundamentada no princípio da inafastabilidade da jurisdição. Na petição inicial, o requerente deve expor os fatos de forma clara, anexar todas as provas reunidas e requerer:
- A declaração de nulidade da responsabilidade atribuída ao principal condutor ou proprietário;
- O reconhecimento judicial do verdadeiro condutor como responsável pela infração;
- A correção dos registros administrativos perante o órgão autuador.
<aside> 💡
Defesa e Argumentação Jurídica
</aside>
O êxito da ação judicial depende de uma argumentação consistente que comprove a veracidade dos fatos apresentados e evidencie a natureza meramente administrativa da preclusão prevista no art. 257, § 7º, do CTB.
Além disso, é essencial invocar jurisprudência favorável que reconheça a legitimidade da revisão judicial, como os julgados do STJ e TRF-4.
5.2. Consequências Práticas para o Proprietário e o Principal Condutor
A apresentação judicial do verdadeiro infrator traz consigo desafios e benefícios práticos tanto para o principal condutor quanto para o proprietário do veículo:
<aside> 💡
Para o Principal Condutor
</aside>
Responsabilidade Presumida: Sem a revisão judicial, o principal condutor permanecerá responsável pela infração, sujeitando-se a penalidades como pontuação na CNH, multas e, em casos graves, suspensão do direito de dirigir.
Restauração de Direitos: A apresentação judicial do verdadeiro infrator permite corrigir o registro administrativo e evitar penalidades indevidas, preservando o histórico do principal condutor.
<aside> 💡
Para o Proprietário do Veículo
</aside>
Impacto Financeiro: O proprietário pode ser responsabilizado solidariamente pelas multas e penalidades financeiras quando o condutor não é identificado no prazo administrativo.
Proteção Patrimonial: A correção judicial da responsabilidade evita penalizações indevidas e garante a regularidade do veículo.
Tempo e Recursos Envolvidos: A via judicial, embora eficaz para corrigir injustiças, demanda tempo e investimento em assessoria jurídica. Por isso, o processo judicial deve ser avaliado considerando a relevância da penalidade e seu impacto para o condutor ou proprietário.
Credibilidade Perante o Sistema de Trânsito: A busca pela revisão judicial demonstra o compromisso com a verdade dos fatos e com a justiça, fortalecendo a legitimidade do sistema de trânsito. É essencial apresentar jurisprudência favorável que respalde a legitimidade da revisão judicial, especialmente as decisões do STJ e TRF-4.
6. Conclusão
A possibilidade de apresentação judicial do condutor infrator pelo principal condutor ou proprietário do veículo, mesmo após o prazo administrativo, está solidamente fundamentada na legislação, nos princípios constitucionais e na jurisprudência.
Embora o art. 257, § 7º do CTB estabeleça um prazo de 30 dias para a apresentação administrativa do infrator, essa preclusão temporal é meramente administrativa e não extingue o direito de acesso ao Poder Judiciário.
Tal entendimento encontra respaldo no princípio da inafastabilidade da jurisdição, garantido pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que assegura a análise judicial de qualquer lesão ou ameaça a direito.
A revisão judicial é fundamental para corrigir distorções e injustiças do processo administrativo, principalmente quando a presunção de responsabilidade não corresponde à realidade.
A jurisprudência consolidada pelos tribunais superiores, como o STJ e o TRF-4, confirma a prevalência do direito de defesa e do contraditório, assegurando ao principal condutor ou proprietário a oportunidade de comprovar quem é o verdadeiro responsável pela infração.
A observância dos princípios fundamentais do processo administrativo e judicial - legalidade, ampla defesa, contraditório e segurança jurídica - garante o funcionamento justo e eficiente do Sistema de Trânsito Brasileiro.
Embora a legislação e as normas regulamentares, como a Resolução CONTRAN nº 918/2022, estabeleçam procedimentos específicos, elas não impedem a possibilidade de revisão judicial quando necessária.