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O Dever de Diligência da JARI: A Necessidade de Requisição de Documentos no Julgamento de Recursos de Infrações de Trânsito

Em um sistema jurídico fundamentado no contraditório, na ampla defesa e na legalidade estrita, é inadmissível que órgãos julgadores, como as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (JARI), decidam recursos contra penalidades de trânsito sem acesso completo às provas e documentos essenciais para a análise substancial do caso.

Competência Legal da JARI

De acordo com o artigo 16 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), as JARI atuam junto aos órgãos e entidades executivos de trânsito ou rodoviário como órgãos colegiados responsáveis pelo julgamento dos recursos interpostos contra penalidades impostas por essas entidades.

O artigo 17 do mesmo diploma legal estabelece explicitamente que compete às JARI, além de julgar recursos, solicitar informações complementares aos órgãos de trânsito para realizar uma análise mais aprofundada da situação recorrida.

Essa prerrogativa não é meramente formal: constitui um dever funcional de diligência ativa que deve ser exercido quando o recurso apresenta elementos que indiquem possíveis nulidades, vícios ou falhas no procedimento da autuação.

A Necessidade de Instrução Completa

A Resolução CONTRAN nº 900/2022, que estabelece os requisitos para apresentação de defesas e recursos administrativos, determina em seu artigo 9º que os órgãos de trânsito e os órgãos recursais (como a JARI) podem solicitar ao requerente documentos ou outras provas, definindo prazo para apresentação.

Além disso, o artigo 10 da mesma norma estabelece que a ausência de informação ou documento disponível deve ser suprida pela própria autoridade autuadora ou julgadora.

Portanto, a legislação infralegal reconhece que o condutor nem sempre possui acesso imediato aos elementos que fundamentam o auto de infração.

Nesse contexto, é dever da Administração Pública buscar, de ofício, os documentos que estão sob sua custódia, evitando assim que o julgamento seja realizado sem os elementos fáticos necessários.

Acesso à Verdade Material e Dever de Instrução

A Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo na Administração Pública Federal, reforça esse entendimento. O artigo 29 estabelece que a instrução do processo deve ser feita de ofício ou mediante impulso do órgão responsável pelo julgamento, visando averiguar os dados necessários à tomada de decisão.

O artigo 37 da mesma norma é ainda mais incisivo ao estabelecer que, quando os fatos alegados estiverem registrados em documentos existentes na própria Administração, cabe ao órgão competente prover de ofício sua obtenção.

Negar esse impulso instrutório significa desconsiderar o dever de lealdade administrativa e o princípio da verdade material, reduzindo a análise substancial a um mero formalismo incompatível com o devido processo legal.

A Implicação de Julgamentos Sem Diligência

A recusa ou omissão da JARI em solicitar documentos que estão sob poder do próprio Estado compromete diretamente a legitimidade do julgamento. Essa conduta transforma o recurso em um julgamento às cegas, o que viola:

Quando vícios na autuação são apontados no recurso, a omissão da JARI em buscar provas constitui, por si só, um vício de julgamento.

Ao não suprir a ausência de provas, a Junta adota um comportamento incompatível com seu papel institucional e ignora o princípio de que atos administrativos ilegais devem ser revistos ou anulados a qualquer tempo, desde que não decaído o direito da Administração.

Conclusão

A JARI não atua como mero carimbo de validação das penalidades impostas pelos órgãos autuadores. Sua função demanda compromisso com a justiça em âmbito administrativo, o que requer análise completa, acesso à prova e impulso processual próprio.

Portanto, toda vez que um recurso aponte nulidades que dependam de documentos ou informações que estejam sob a guarda do órgão de trânsito, é dever da JARI diligenciar para obtê-los.

Não o fazendo, o julgamento estará maculado por ausência de fundamentação adequada, comprometendo sua validade.

O silêncio processual, nesses casos, não é neutro — ele é uma omissão ativa contra o direito de defesa.


Referências Legais: