Introdução
No âmbito do direito de trânsito, a correta interpretação e enquadramento da conduta ao tipo infracional são fundamentais para validar as penalidades aplicadas.
Entre as infrações mais graves e tecnicamente complexas está aquela prevista no Art. 170 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que caracteriza a conduta de dirigir ameaçando pedestres ou outros veículos.
Entretanto, nem toda aproximação brusca ou manobra agressiva caracteriza automaticamente a infração do art. 170.
Para a validação do auto de infração, é indispensável comprovar um elemento subjetivo específico: o dolo de ameaça.
Este artigo apresenta uma análise técnica e estratégica para construir uma defesa sólida contra autos de infração baseados no art. 170 do CTB.
Para isso, utilizaremos a legislação vigente, o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT) e os princípios constitucionais fundamentais.
O Art. 170 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece:
"Art. 170. Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos: Infração – gravíssima; Penalidade – multa e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa – retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação."
Entenda a Gravidade da Infração e a Exigência do Dolo Específico
A infração prevista no artigo 170 do CTB é classificada como gravíssima e gera consequências severas:
- Multa;
- Suspensão do direito de dirigir;
- Retenção do veículo;
- Recolhimento do documento de habilitação.
Entretanto, diferentemente de infrações de natureza puramente objetiva, aqui se exige a demonstração da intenção deliberada de ameaçar — o chamado dolo específico.
A ausência de comprovação desse dolo compromete a validade do auto de infração, que pode ser anulado em sede administrativa ou judicial.
Diretrizes do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT)
O MBFT detalha o enquadramento da infração do art. 170 em dois códigos distintos:
- Código 521-51: Dirigir ameaçando pedestres que estejam atravessando a via pública;
- Código 521-52: Dirigir ameaçando demais veículos.
Segundo o MBFT:
Quando Autuar:
- Quando o condutor, de forma intencional, intimida outro condutor ou pedestre, por meio de ações como:
- Aceleração brusca junto ao semáforo para intimidar outro veículo ou pedestre;
- Mudança repentina de direção, ameaçando abalroar outro veículo;
- Perseguição intencional de veículo ou alteração deliberada de direção em relação ao pedestre para assustá-lo.
Quando Não Autuar:
- Quando houver apenas a intenção de não dar preferência;
- Em situações de disputa de corrida;
- Quando o condutor apenas jogar água ou detritos em terceiros;
- Quando a conduta configurar outra infração específica, como excesso de velocidade ou avanço de sinal.
Importante: O MBFT ressalta que, embora os exemplos não sejam exaustivos, é sempre necessária a comprovação da intenção de ameaça.
Exemplo de Campo de Observações no AIT:
- "Condutor intimidava outro veículo acelerando e freando bruscamente."
- "Condutor desviou intencionalmente o veículo em direção a pedestre para assustá-lo."
- "Condutor perseguiu motociclista por 3 quarteirões, fazendo gestos ameaçadores e tentando fechá-lo."
- "Condutor buzinou repetidamente e acelerou em direção ao pedestre que atravessava na faixa, só desviando no último momento."
- "Condutor aproximou propositalmente seu veículo da lateral do outro carro, forçando-o a desviar bruscamente."
- "Condutor reduziu velocidade propositalmente ao perceber aproximação de outro veículo, acelerando quando este tentava ultrapassar."
- "Condutor zigzagueou diversas vezes na frente do outro veículo de forma intimidadora, impedindo sua passagem."
Esses registros são obrigatórios para a validade da autuação.
Fundamentação Jurídica para Anulação do Auto de Infração
1. Exigência do Elemento Subjetivo (Dolo Específico)
O elemento subjetivo da intenção dolosa é indispensável para a caracterização da infração.
A falta de uma descrição clara do dolo específico no auto de infração inviabiliza a adequação da conduta ao tipo previsto no art. 170 do CTB.
2. Violação ao Princípio da Motivação
Nos termos do artigo 50 da Lei nº 9.784/1999:
"Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando importem em imposição de sanção."
Sem a clara exposição dos fatos que comprovem a intenção de ameaça, o auto de infração torna-se viciado por falta de motivação.
3. Violação ao Contraditório e Ampla Defesa
De acordo com o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal:
"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."
A ausência de descrição da intenção impossibilita ao autuado exercer sua defesa de maneira plena e eficaz.
4. Presunção Relativa de Legitimidade dos Atos Administrativos
Embora o auto de infração possua presunção de legitimidade, ela é relativa e pode ser invalidada quando não há comprovação dos elementos factuais que justificariam a sanção.
Estratégias Avançadas para Defesa Administrativa e Judicial
Argumentos Principais:
- Definição: Esclarecer que o conceito de "ameaçar" exige dolo, e não mera imprudência;
- Propriedade: Apontar falhas formais no auto de infração (falta de descrição de dolo específico);
- Precedente: Citar jurisprudência que reconheça a nulidade por ausência de dolo no art. 170;
- Necessidade: Argumentar que a motivação específica é obrigatória para validar a autuação;
- Incongruência: Evidenciar incoerência entre os fatos narrados e a subsunção ao tipo infracional.
Estrutura Recomendada de Defesa:
- Preliminar de nulidade por falta de motivação do ato administrativo;
- Impugnação da tipificação jurídica por ausência de comprovação do dolo;
- Alegação de violação ao contraditório e ampla defesa;
- Pedido final de anulação da infração e encerramento do processo administrativo.
Conclusão
A infração de dirigir ameaçando pedestres ou veículos, prevista no art. 170 do CTB, requer a comprovação inequívoca de dolo específico.
Se não houver descrição clara dos elementos objetivos e subjetivos, o auto de infração torna-se nulo de pleno direito.
Por isso, o advogado atuante em defesas administrativas ou judiciais deve conhecer profundamente os requisitos técnicos e jurídicos necessários para a validade dessa autuação.
Uma defesa bem estruturada, baseada na ausência de dolo, violação ao princípio da motivação e quebra do contraditório, apresenta elevada probabilidade de êxito tanto na esfera administrativa quanto judicial.