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Expedição Não é Prova de Envio: Nulidade da Notificação por Carta Simples

A decisão do STJ no PUIL 372/SP deixou claro: sem prova de envio, não há início de prazo. Expedição não basta — e isso pode anular todo o processo administrativo de trânsito.

O Problema Fundamental: Expedição vs. Envio da Notificação

Uma das principais causas de nulidade nos processos administrativos de trânsito está em um detalhe frequentemente ignorado – e, às vezes, intencionalmente confundido: a diferença entre expedir e enviar uma notificação.

Este equívoco, embora aparentemente técnico, gera repercussões diretas na validade das penalidades aplicadas, especialmente quando a carta simples é adotada como meio de comunicação.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o PUIL 372/SP, estabeleceu uma distinção fundamental: a mera expedição (entrega da notificação ao Correio) não se confunde com o envio efetivo (saída documentada da notificação com destino ao condutor).

Embora dispense o Aviso de Recebimento (AR), a decisão estabeleceu critérios objetivos para que a Administração comprove o envio da notificação e garanta o contraditório.

Este artigo examina o precedente sob a ótica do processo administrativo de trânsito, delimitando a presunção de veracidade do ato administrativo e apontando quais elementos probatórios devem ser exigidos do órgão autuador.

Fundamentos Jurídicos da Notificação

Nos termos do art. 282 do Código de Trânsito Brasileiro, a imposição de penalidade por infração depende da notificação válida ao condutor ou proprietário, feita por remessa postal ou meio tecnológico hábil.

Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.

Por sua vez, o PUIL 372/STJ (2017/0173205-8), julgado pela Primeira Seção em 2020, enfrentou a seguinte controvérsia:

É válida a notificação enviada por carta simples, sem comprovação de recebimento pelo infrator?

Apesar de reconhecer a validade da notificação por carta simples, desde que enviada ao endereço cadastrado, a Corte manteve a exigência de que o órgão autuador comprove o envio da correspondência.

Aqui reside o núcleo da tese: a expedição não substitui o envio – e a ausência de prova da remessa pode invalidar todo o processo.

Fundamentação e Argumentação Jurídica

O entendimento firmado no PUIL 372 é claro:

[...] Da interpretação dos arts. 280, 281 e 282 do CTB, conclui-se que é obrigatória a comprovação do envio da notificação da autuação e da imposição da penalidade, mas não se exige que tais expedições sejam acompanhadas de aviso de recebimento.

Portanto, a decisão não eliminou a exigência de comprovação do envio.

Pelo contrário: reforçou a ideia de que o contraditório somente se concretiza quando a Administração comprova que a correspondência saiu da esfera do Estado em direção ao administrado.

O artigo 282, §1º, do CTB, é complementar:

“A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo ou por recusa em recebê-la será considerada válida para todos os efeitos.”

Isso significa que a validade se presume somente quando o envio é comprovado.

A recusa ou devolução pressupõe que houve remessa — o que exige documentação neste sentido. Sem esse passo, a presunção não se ativa.

Além disso, nos termos do art. 36 e da Lei nº 9.784/1999, o ônus de provar os fatos constitutivos do ato administrativo é do próprio órgão, sem prejuízo do dever de colaboração do administrado.

Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.

Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.

Análise Crítica

A Inversão Indevida do Ônus da Prova

A maior distorção gerada pela má leitura do PUIL 372 reside na inversão do ônus da prova. Muitos órgãos autuadores, sob o manto da fé pública, alegam que a simples menção à expedição é suficiente.

Porém, essa tese implica atribuir ao cidadão a prova negativa do não recebimento, o que é processualmente inadmissível.

A própria Corte foi cautelosa ao reafirmar o equilíbrio probatório:

6. Cumpre lembrar que é dever do proprietário do veículo manter atualizado o seu endereço junto ao órgão de trânsito e, se a devolução de notificação ocorrer em virtude da desatualização do endereço ou recusa do proprietário em recebê-la considera-se-á válida para todos os efeitos (arts. 271 § 7o, e 282 § 1o, c/c o art. 123, § 2o, do Código de Trânsito). […] 9. Da interpretação dos arts. 280, 281 e 282 do CTB, conclui-se que é obrigatória a comprovação do envio da notificação da autuação e da imposição da penalidade, mas não se exige que tais expedições sejam acompanhadas de aviso de recebimento.

Este ponto é tratado com maior profundidade na tese completa, especialmente quanto às consequências jurídicas da ausência de comprovação documental — tema que ainda encontra resistência nos julgamentos administrativos em primeira instância.

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Aplicação Estratégica

A tese pode ser aplicada de forma direta e eficaz em:

  1. Defesas e Recursos Administrativos
    Requerer a comprovação formal do envio da notificação por parte do órgão autuador. Listas de objetos postados, comprovantes de postagem e documentos de remessa devem ser exigidos. A ausência dessa documentação pode ensejar o pedido de arquivamento por vício processual.
  2. Mandados de Segurança ou Ações Anulatórias
    Na via judicial, a tese ganha força quando acompanhada de:
    • Protocolo de atualização de endereço pelo condutor;
    • Ausência de comprovação de envio nos autos administrativos;
    • Fundamentação no PUIL 372 e na Constituição Federal (art. 5º, LIV e LV).

A estratégia prática para aplicar esse fundamento exige atenção a detalhes abordados na tese principal.

Conclusão

O PUIL 372/SP não autorizou a informalidade do processo administrativo de trânsito. Ele reconheceu a validade da carta simples, mas jamais eliminou a necessidade de prova do envio.

Quando a Administração falha em comprovar que o documento realmente saiu dos Correios e foi encaminhado ao condutor, não há início válido de prazo nem fundamento legítimo para a penalidade.

Na era da automação e sistematização da cobrança de multas, cabe ao advogado dominar essas sutilezas probatórias — e exigir que o poder público prove o que alega, conforme determinam os princípios constitucionais e administrativos.

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